* Por Nick Parish
O site Creativity perguntou para 5 publicitários argentinos sobre a experiência deles durante o período da crise financeira na Argentina, que já é uma realidade desde o início da década. Como seus clientes reagiram, como o trabalho mudou e como suas lições podem ser aplicadas para os novos tempos com a crise financeira mundial.
Enquanto a crise financeira está afetando a vida de muitos países no mundo nos últimos meses, a Argentina já vem enfrentando problemas econômicos e tumultos políticos desde o início da década. Marcada pela desvalorização de sua moeda e bilhões de dólares de dívidas, a crise trouxe protestos violentos, desemprego e extrema pobreza. Marketing e propaganda mudaram também.
Os entrevistados:
- Carlos Nesci, diretor de contas da JWT, Argentina;
- Joaquin Molla, co-fundador da agência La Comunidad (que abriu em Buenos Aires em 2000, justamente no início da crise em Buenos Aires);
- Alberto Ponte, diretor de criação da Wieden Kennedy, Portland e diretor de criação da agência argentina Agulla & Baccetti durante a crise argentina;
- Santiago Lucero, diretor de criação, Publicis, Madrid. Durante a crise, trabalhou como diretor de criação na Agulla & Baccetti (até agosto de 2001) e na JWT, Argentina (até 2005);
- Patricio Cavalli, agora é jornalista e consultor em Buenos Aires; ele foi diretor de negócios da unidade da JWT em Buenos Aires e diretor de criação da agência SoaresGache durante a crise.
A sensação durante a crise
Patricio Cavalli: Antes, a sensação no ar era de que a grande crise está vindo. A Argentina tem vivido de crise para crise por mais de um século, então todo mundo já estava meio que aguardando uma nova. Quando ela explodiu em 2001, foi mais uma crise política e social. Tivemos tumultos, protestos, pessoas mortas nas ruas, a população nas cidades e no campo fazendo os “panelaços” e gritando “que se vayan todos” (que é um protesto dizendo “que todos os políticos vão embora”). Um presidente renunciou uma semana depois, outro assumiu e teve que adiantar as eleições presidenciais após outro violento e mortal protesto em Junho de 2002. E então, de repente, de alguma forma miraculosa, tudo voltou ao “normal”. Um presidente foi eleito, a economia ganhou forças e tudo foi esquecido.
Joaquin Molla: As pessoas falavam sobre a crise todo o dia, todo minuto. Não importava se o dia estava ensolarado ou se suas crianças estavam dizendo suas primeiras palavras, o assunto sempre era a crise. Nós trocamos o “Como você está hoje?” pelo “Qual a cotação do dólar hoje?”.
Santiago Lucero: Nós começamos a noticiar que as coisas estavam mudando um ano antes do “corralito” (restrição nas contas bancárias com a intenção de preservar o valor do peso argentino e prevenir a saída de capital do país, instituída em dezembro de 2001). Só de olhar as ruas, a expressão das pessoas, os jornais, era possível ver que as coisas no país iriam sofrer mudanças radicais. Ao mesmo tempo, clientes começaram a noticiar que a situação era grave.
Alberto Ponte: Nos primeiros 3 ou 4 meses, ninguém estava apto para pensar de forma consciente. Violência e pobreza se tornaram aparentes nas ruas. Era triste ver aquilo. Pessoas que tinham a vida estável uma semana antes estavam implorando ajuda nas ruas meses depois. Por outro lado, as pessoas começaram a ajudar bastante, muito mais do que antes. Solidariedade se tornou algo que as pessoas faziam com as próprias mãos, sem esperar que o Governo resolvesse estes problemas. Houve uma troca de posições, e os pobres foram aqueles que mais ajudaram.
Os negócios
Cavalli: Começou aos poucos a discussão sobre a crise em encontros de negócios e, com o tempo, se tornou óbvia a sua discussão. Não foi algo repentino, mas chegou o momento em que as agências disseram “Ok, vamos adequar à realidade o tom da comunicação”. Agora agências, criativos e clientes estavam profundamente envolvidos na crise. Suas reservas financeiras já tinham terminado e o trabalho delas estava a ponto de desaparecer, então, eu acho que eles começaram a traduzir todo o seu sentimento no seu trabalho.
A sensação de que a propaganda seria afetada estava no ar desde 1999/2000. De 2000 para 2001 percebeu-se que o budget para comerciais de televisão estava se tornando cada vez mais limitado. Os clientes começaram a destinar sua verba de publicidade para necessidades estruturais, o que tornou aparente que 2001 seria um ano de muita dificuldade. Também se tornou óbvia a percepção de que propaganda era descartável naquele momento e havia o sentimento de vergonha dos publicitários de dizerem “Vamos fazer uma grande produção”. Era um período em que você não podia ir ao supermercado e comprar grandes quantidades de comida sem receber olhares de reprovação de outras pessoas.
Ponte: As coisas começaram a mudar em um ou dois meses após o “corralito”, o que variava dependendo do tamanho da empresa e se ela estava trabalhando somente para clientes argentinos ou se para multinacionais. O trabalho começou a mudar rapidamente; pessoas deixaram de pensar a longo prazo e começaram a se preocupar com o ganho a curto prazo. As demissões não foram muitas, pois as agências queriam manter o alto padrão de qualidade alcançado naquele período, mas cortes na remuneração eram uma realidade. Quem estava trabalhando naquele momento, poderia se manter estável.
Cavalli: Então tudo se tornou absolutamente uma realidade. Quando você vê um país em chamas, pessoas sendo mortas nas ruas e o presidente renunciando ao cargo e deixando a casa do governo de helicóptero, bem, não precisa ser um gênio para dizer: “Porra, o budget de marketing irá cair a zero”. Eu lembro que tudo estava tão ferrado que todos eram muito diretos quando se falava que a situação atual era uma catástrofe. Eu lembro de ir a reuniões no escritório da Nestlé em Buenos Aires e me encontrar cada vez que ia lá com um diferente gerente de marca; dois deles foram transferidos para o Brasil e Chile, outros dois estavam falando em ir à Justiça para conseguir receber seus salários e, finalmente, uma que dizia ter ouvido uma fofoca que ela e mais outros dois diretores poderiam ser despedidos em 2 ou 3 semanas. A expressão mais usada era “Esto se va todo al carajo” ou “Isso tudo vai para o caralho”. As pessoas estavam enfraquecidas. Eu lembro até de diretores financeiros ganhando muita força dentro das empresas e dando palpites até na produção criativa delas. Em alguns casos, eles até decidiam quem deveria ficar ou sair dos departamentos de comunicação e marketing. Naquele momento eu pensei “Ó Deus, este barco está afundando”.
Molla: Alguns conhecidos nossos foram demitidos, deixaram a propaganda e, eventualmente, retornaram após um ou dois anos. Felizmente, a maior parte deles conseguiu retornar ao mundo da publicidade novamente. Muitas agências reduziram salários de uns, demitiram outros e deram férias forçadas sem pagamento de salários durante um período. Um amigo do setor me contou que a agência dele pediu aos funcionários que fossem para casa por seis meses e esperassem – estas pessoas só receberam 20% do salário deles durante este período. A outra opção era negociar a melhor maneira de sair. Era deprimente.
Ponte: Algumas marcas interromperam a comunicação, algumas não. Aquelas que pararam tiveram que pagar um preço alto depois. Algumas empresas pequenas pegaram fatias do mercado que nunca conseguiriam se as grandes marcas não tivessem parado de se comunicar com o público. A qualidade da comunicação sofreu muito também, devido a pequenos budgets e também à necessidade de planos a longo prazo. Algumas pessoas tiveram sacadas muito criativas com pequenos budgets e outras só fizeram muita merda.
Lucero: Nós tivemos que ser mais atentos ao que as pessoas sentiam; como estava seu humor. Nós continuamos, mais do que nunca, fazendo nosso trabalho e dando a eles contribuição em termos de criatividade e estratégia. E, como sempre, alguns clientes se tornaram mais criativos que antes. Outros ficaram com medo e se tornaram mais conservadores. Budgets ficaram menores que antes, mas quando você vive em um país que está sempre em crise, você aprende a tornar o dinheiro mais rentável. Nós temos que ser mais estratégicos e muito, muito alertas em relação ao que as pessoas estavam sentindo. Como elas irão reagir? É hora de usarmos humor ou emoção?
Nesci: Nós tentamos explorar o sentimento da alma local, fazendo um balanço de nossos acertos e erros como uma sociedade. E para isso, muitas campanhas foram produzidas neste formato de manifesto, expondo a verdadeira sensação dos consumidores e, ao mesmo tempo, mostrando o desejo das marcas de falar de uma forma diferenciada, mais direta e sincera, evitando o estilo “flamboyant” (fase final da arquitetura gótica francesa, assim chamada porque seu aspecto mais característico são os ornamentos florais que lembram a forma de flamas - do francês flamboyant, “flamejante”) de propaganda. Esta forma de falar destes comerciais, reconhecendo que as coisas não estavam funcionando como imaginávamos, mas sugerindo que existe uma luz no fim do túnel / aceitando que não somos os melhores do mundo, mas não os piores / se não ajudarmos uns aos outros, ninguém irá... e então, nos levando a insights que refletem a idiossincrasia da Argentina, obviamente, na procura de empatia da marca com os consumidores. O sentido da comunicação era “o caráter argentino”. Isto envolveu manifestos em diferentes peças que projetaram nosso caráter e jeito de ser todos os dias em situações típicas. Seria o que chamamos de “costumbrismo”.
As lições
Cavalli: Amigos que foram demitidos saíram do país. Aqueles que ficaram começaram a armar pequenas redes de network. Quando o país voltou a funcionar “normalmente”, aqueles que tinham sido demitidos em 2004 voltaram a trabalhar. Muitas pessoas que tinham sido demitidas utilizaram seus últimos recursos e abriram seu próprio negócio. A crise liderou uma proliferação de novas e pequenas, mas talentosas, agências que agora estavam competindo (e atingindo pesadamente) as grandes agências do mercado.
Molla: Algumas pessoas ficaram muito deprimidas, e aquilo era muito difícil de ver. Eu vi alguns empresários gloriosos transformados em pequenos e assustados meninos em dias. Nós estávamos começando com a agência, nós estávamos com uma sensação positiva de esperança, estávamos construindo alguma coisa. Então de alguma forma não nos deixamos entrar naquele estado generalizado de tristeza. Muitas pessoas estavam perseguindo os mesmos sonhos que nós, então mantivemos a postura e ganhamos cada vez mais energia. Nós demitimos duas pessoas e isso foi a nossa primeira vez na agência. Isto sempre é difícil e no meio de uma crise ainda mais, porque você sabe o quanto será difícil para se encontrar um novo emprego. Felizmente, os dois acharam outro emprego rapidamente.
Ponte: Aqueles que entraram em pânico, fizeram um mau trabalho. Aqueles que reagiram de uma forma inteligente sobre a crise, não. Em vez de ser relevante e impactar com pouco dinheiro, as idéias tinham que ser melhores, porque você não podia confiar em trabalhos com alto valor de produção. Não era tanta loucura como se imaginava de início. A partir de soluções alternativas, e não quero dizer por meio de contratação de novas pessoas ou freelancers, nem grandes festas. Fizemos acertos de redução de salários no período da crise, assim ninguém seria demitido, mas fazendo a promessa que após a crise todos os salários descontados seriam repostos.
Lucero: Obviamente o pior momento foi quando tivemos que fazer redução de pessoal, demitindo pessoas talentosas. E na época, havia gente muito boa e criativa que viu na crise uma oportunidade, então elas abriram seu próprio negócio: bureaus de criação e design, produtoras e novas agências. Também houve muitas pessoas que tiveram de deixar o país para conseguir um emprego. Ironicamente, alguns deles fizeram muito sucesso em outros mercados, o que foi bom para o desenvolvimento da criatividade nessas regiões.
Nesci: No fim, quando a crise tinha acabado e o assunto principal já não era mais pagamentos e dívidas, um estilo criativo mais fortalecido emergiu, um estilo inteiramente novo. Mais aguerrido e mais adequado ao mercado universal.
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